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Assédio na Polícia Militar de São Paulo: quando a hierarquia silencia e o medo paralisa as mulheres fardadas

 

São Paulo, julho de 2025 – O caso da ex-soldado Jéssica Paulo do Nascimento, que denunciou e conseguiu condenar um coronel da Polícia Militar por assédio sexual, expõe um problema estrutural grave dentro da corporação: o assédio institucionalizado e a falta de proteção efetiva às mulheres que denunciam.

 

O caso que escancarou a realidade

 

Jéssica ingressou na Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) em 2013. Anos depois, passou a sofrer assédio contínuo por parte do tenente-coronel Cássio Novaes, seu superior hierárquico. As investidas incluíam mensagens com teor sexual explícito, ameaças de estupro e perseguição mesmo fora do expediente. Apesar de ter pedido transferência, trocado telefone e endereço, o assediador usou sua posição para manter a pressão e o controle.

 

Em 2022, o coronel foi condenado pelo Tribunal de Justiça Militar, mas aposentado com todos os direitos e promovido na reserva, um desfecho que gerou críticas de entidades de direitos humanos e de policiais da ativa.

 

O cenário dentro da PMESP

 

O caso de Jéssica não é isolado. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que 39,2% das mulheres policiais no país já sofreram algum tipo de assédio no trabalho. Entretanto, apenas 11,8% registraram denúncia oficial, revelando o medo de retaliações, o descrédito nos canais internos e a cultura do silêncio.

 

Em São Paulo, as mulheres representam aproximadamente 14,5% do efetivo da PM, totalizando cerca de 11.500 policiais. Apesar do aumento na participação feminina, a corporação mantém uma cultura hierarquizada e predominantemente masculina, onde a maioria das mulheres permanece em cargos operacionais e poucas alcançam posições de comando.

 

Hierarquia e impunidade

 

A cadeia de comando militar frequentemente funciona como barreira à denúncia. Vítimas que enfrentam assediadores em patentes superiores temem retaliações como transferências forçadas, exposição e estagnação profissional. Embora existam corregedorias e canais de denúncia, faltam autonomia investigativa e proteção efetiva às vítimas, especialmente quando os acusados são oficiais superiores.

 

Medidas adotadas e os desafios

 

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) implantou iniciativas como a “Cabine Lilás”, voltada ao atendimento especializado e feminino a ocorrências de violência contra a mulher, campanhas internas de conscientização e grupos psicossociais de acolhimento. No entanto, especialistas afirmam que essas ações não são suficientes para enfrentar a raiz do problema, que exige mudanças estruturais profundas.

 

Um símbolo de resistência

 

A coragem da ex-soldado Jéssica ganhou apoio popular e repercussão política. Em 2025, a Câmara Municipal de São Paulo revogou a Medalha Anchieta concedida ao coronel condenado, em um gesto simbólico de reparação. Apesar disso, Jéssica deixou a corporação, carregando as marcas emocionais do longo período de assédio e silenciamento.

 

Considerações finais

 

A Polícia Militar de São Paulo enfrenta um dilema: enquanto mulheres ingressam e demonstram competência em diversas áreas, a estrutura hierárquica muitas vezes falha em protegê-las, perpetuando um ambiente hostil. Para romper o ciclo de impunidade, é imprescindível fortalecer os mecanismos de denúncia, garantir investigações independentes e assegurar proteção efetiva às vítimas.

 

Enquanto essas mudanças não forem prioridade, a farda continuará sendo um peso desproporcional para as mulheres que ousam

enfrentar o sistema por dentro.

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